O artigo de Elisa Maria de Ulhôa Cintra, “O eu em ruínas no documentário Estamira” retoma a coragem e a determinação de Estamira, 63 anos, que diariamente caminha em direção ao Aterro Sanitário de Jardim Gramacho no Rio de Janeiro, onde são despejadas toneladas de lixo, para buscar algo para si, algo que seja precioso, que possa ter sido jogado lá por descuido, e cujo valor ninguém percebeu.
Entre suas palavras partidas, cheias de contundência, encontramos e reconhecemos fragmentos de um pensamento que o documentário resgata, através de sucessivas conversas com Estamira: às vezes, diz ela, o que encontramos no Gramacho, “às vezes é só restos”, “às vezes são descuidos”.
O desamparo total no qual nasceu e cresceu Estamira e a violência de sua realidade sócio-cultural nos trazem para dentro de muita brutalidade: relações de abuso, invasões, sucessivos traumas e abandonos afetivos, até o limite do suportável e do pensável. A psicanálise aproxima-se timidamente deste cenário em ruínas para buscar, do centro de seu não saber mais nada, algo que possa tornar pensável a brutalidade das relações humanas.
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